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quinta-feira, 10 de março de 2011

Silêncios que falam - por Fernando Henrique Cardoso

O mundo mudou muito, principalmente com a revolução informática. Crescentemente as “ordens estabelecidas” desmoronam sem que se perceba a luta entre as classes.

Foi assim com o desmoronamento do mundo soviético, simbolizado pela queda do Muro de Berlim. Está sendo assim hoje no Norte da África e no Oriente Médio.

Cada vez mais, em silêncio, as pessoas se comunicam, murmuram e, de repente, se mobilizam para “mudar as coisas”. Nesse processo, as novas tecnologias da comunicação desempenham papel essencial.

As ordens sociais no mundo moderno podem se desfazer por meios surpreendentes para quem olha as coisas pelo prisma antigo. A palavra, transmitida à distância, a partir da soma de impulsos que parecem ser individuais, ganha uma força sem precedentes.

Aparentemente isolados, estão na verdade “conectados” com o clima do mundo circundante e ligados entre si por intermédio de redes de comunicação que se fazem, desfazem e refazem, ao sabor dos momentos, das motivações e das circunstâncias.

Um mundo que parecia ser basicamente individualista e regulado pela força dos poderosos ou do mercado, de repente, mostra que há valores de coesão e solidariedade social que ultrapassam as fronteiras do permitido.

Contudo, a reconstrução da ordem depende de formas organizacionais, de lideranças e de vontades políticas que se expressem de modo a apontar um caminho. Na ausência delas, volta-se ao antigo, ou na iminência da desordem generalizada, há sempre a possibilidade de um grupo coeso e nem sempre democrático prevalecer sobre o impulso libertário inicial.

Agora mesmo, com as transformações no mundo islâmico, é hora de apoiar em alto e bom som os germens de modernização, em vez de guardar um silêncio comprometedor. Ou, pior, quebrá-lo para defender o indefensável como Hugo Chávez ao dizer “que me conste, Khadafi não é assassino”.Ou como Lula, que, antes, chamou-o de “líder e irmão”!

Para não falar dos intelectuais “de esquerda” que ainda ontem, quando eu estava no governo, viam em tudo que era modernização ou integração às regras internacionais da economia um ato neoliberal de vende-pátria.

Exigiam apoio a Cuba, apoio que não neguei contra o injusto embargo à ilha, mas que não me levou a defender a violação de direitos humanos.

Será que não se dão conta que é graças ao maior intercâmbio com o mundo — e principalmente com o mundo ocidental — que hoje as populações do Norte da África e do Oriente Médio passam a ver nos valores da democracia caminhos para se libertarem da opressão?

Há silêncios que falam, murmuram, contra a opressão. Mas há também silêncios que não falam porque estão comprometidos com uma visão que aceita a opressão. Não vejo como alguém possa se imaginar “de esquerda” ou “progressista” calando no momento em que se deve gritar pela liberdade.
 
Leia a íntegra do artigo de Fernando Henrique Cardoso

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