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quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Reforma Política: Democratizar a democracia

Coluna escrita por Marco Maciel ao site Terra.com

Alcançamos, no último domingo de outubro, um feito sem precedentes na história brasileira: o mais longo período democrático já vivido no País.

Com a realização da sexta eleição direta para Presidente da República, o período democrático inaugurado com a Constituição de 1988 supera aquele vivido de 1946 a 1964. Mas, como bem registra o jornal O Estado de São Paulo, em suplemento especial publicado na véspera do pleito, em que pese essa importante conquista ainda estamos diante de uma história cheia de votações, mas pobre de democracia.

Sintetiza o jornalista Wilson Tosta, no referido suplemento: "Vota-se no Brasil desde a Colônia, com as eleições para Câmaras de Vereadores, nos processos de independência, durante a República Velha e após as ditaduras do Estado Novo e de 64. O povo, contudo, foi mantido à margem da maior parte das decisões. Somados os 19 anos de democracia pós-1945 e os 21 posteriores à Constituição de 1988, chega-se a 40 anos, equivalentes a um terço do período republicano, 21,2% da vida independente e menos de 10% da história do Brasil".

É importante ter sempre presente que a Constituição de 1988 nasceu - fato pouco percebido pela sociedade brasileira - de amplo acordo político, o intitulado "Compromisso com a Nação". Esse pacto, talvez o mais importante de nossa história republicana, ensejou a eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney, por intermédio do Colégio Eleitoral, e tornou possível, de forma pacífica, a passagem do regime autoritário para o Estado Democrático de Direito.

Observe-se ainda que, como toda obra humana, uma constituição tem virtudes e imperfeições. As virtudes decorrem do contexto histórico em que são discutidas e votadas. No período 1987/88, aspirava-se, antes de tudo, à restauração plena das liberdades e garantias individuais e à edificação de uma democracia sem adjetivos. As imperfeições derivam, observo como constituinte, do afã de tudo regular, consequência talvez da crença na onipotência do Estado.

Feitas as ressalvas, não é exagero afirmar que a Constituição de 1988, batizada "Constituição Cidadã" pelo Presidente Ulysses Guimarães, ofereceu ao povo brasileiro a mais ampla Carta dos Direitos Individuais e Coletivos e o mais completo conjunto de Direitos Sociais que o País conheceu. Contudo, as mudanças econômicas e as transformações sociais dela decorrentes não esgotaram o processo indispensável para a adaptação do Brasil às novas exigências de um mundo em que a competição e a integração se tornaram inevitáveis.

Cumpre, agora, completar essa obra com a reforma da estrutura política institucional, opinião que expomos, insistentemente, antes mesmo da realização do plebiscito de 21 de abril de 1993, no qual o povo se pronunciou pela manutenção do regime republicano e do sistema presidencialista.

Não se trata apenas de operar algumas mudanças formais e limitadas deste ou daquele poder. É preciso algo mais abrangente e profundo, em relação aos três ramos especializados de atuação do Governo.

Urge uma reforma legislativa que implique, concomitantemente, a alteração dos mecanismos decisórios da representação política, para que possamos, a partir daí, consumar a reforma do próprio Legislativo, em todos os níveis, tornando-o mais ágil e ajustável, em consonância com as mudanças que se operam na sociedade à revelia do Estado.

O mesmo se pode dizer em relação ao Judiciário. Tão importante quanto dinamizar e tornar mais acessível a prestação jurisdicional é o desafio de ajustar a lei aos imperativos da Justiça, sem que isto implique diminuir o respeito ao devido processo legal e ao direito de defesa.

No âmbito do Executivo, temos de tornar mais eficiente a capacidade de operação das diferentes áreas em que se exige a proteção ou a intervenção do Estado, não em favor do seu próprio fortalecimento, mas na tutela dos direitos do cidadão.

Outro ponto relevante é a reforma dos três sistemas do regime democrático, que chamaremos operativos: o sistema eleitoral, o sistema partidário e o sistema de governo. É preciso compatibilizar o sistema eleitoral e o sistema partidário, com o objetivo de garantir a representatividade e melhorar a governabilidade.

No sistema eleitoral, não basta a existência de um processo estável e permanente que ponha fim à prática da elaboração de uma nova lei para cada eleição. Devemos mudar o próprio modelo proporcional de listas abertas, hoje existente em apenas dois países do mundo, um dos quais o Brasil.

Temos que evitar a descaracterização e o comprometimento do quadro partidário. Para tanto, devemos escolher entre as inúmeras modalidades e alternativas de correção que estão sendo aperfeiçoadas ao longo do tempo aquela que restrinja a proliferação de partidos. Ao mesmo tempo, é preciso que o próprio período eleitoral e os métodos de financiamento, tanto das eleições quanto dos partidos, sejam ajustados à rotina da vida civil, para que não perturbem a normalidade do exercício da cidadania.

O sistema de governo, que resultará fatalmente desses novos modelos, terá de se ajustar às exigências da democracia participativa, em que as normas, as regras e a própria atuação do poder público respondem à cidadania, servindo à sociedade e não se servindo da sociedade. Esse enfoque implica um sistema tributário simplificado, não regressivo e correspondente à capacidade contributiva do cidadão.

Tais medidas teriam enorme efeito não só no sistema político, mas igualmente na vida cultural, social e econômica do País e sua plena inserção na comunidade internacional.

Há, malgrado continuados e expressivos avanços, ainda um largo território a percorrer. Sem essas mudanças, não colheremos os efeitos do processo de transformação iniciado com a Constituição de 1988 e que não pode ser interrompido, sob o risco de frustrarmos as aspirações manifestadas pela socidade brasileira em inúmeras eleições.

Marco Maciel é senador e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República (1995-1998 e 1999-2002), ministro da Educação e ministro-chefe da Casa Civil (governo Sarney) e governador de Pernambuco (1978-1985).

Fonte: Terra.com

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