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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Procrastinação

Desde a explosiva entrevista do Deputado Roberto Jefferson em 2005, delatando o esquema de compra de apoio político dentro do Congresso Nacional, já se passaram inúmeros capítulos desse escândalo que com proporções nunca antes vistas na história desse país, ficou conhecido como Mensalão.

Desde 2005, CPIs, inquéritos e uma infinidade de depoimentos e documentos geraram a Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal, originalmente destinada a julgar a conduta de mais de 40 réus, dentre eles empresários, banqueiros, laranjas, Deputados, dirigentes partidários e altos figurões da República, como o Ministro Chefe da Casa Civil do Governo Lula.

 
O processo conta com mais de 50 mil páginas, e é de uma complexidade proporcional à magnitude e gravidade do caso, uma vez que tal esquema, segundo o Procurador Geral da República que efetuou a denúncia, tratava-se de um ambicioso projeto de perpetuação e cooptação do poder.

Em 2012, o STF realizou o julgamento da AP470, e como num verdadeiro Big Brother, a imprensa e a população acompanharam cada uma das mais de 50 Sessões desse que já se tornara o maior julgamento da história da mais alta Corte de Justiça do país.

Elegendo heróis e vilões, todos viramos um pouco "juristas" com opinião formada diante das polêmicas envolvidas nesse caso. No fim das contas, 25 réus foram condenados com penas rígidas por crimes que iam da lavagem de dinheiro à corrupção ativa, do peculato à formação de quadrilha. Escrevi há época, que se tratava do "começo do fim da impunidade".

Em 2013, o STF deu continuidade ao processo penal, que depois do julgamento prevê a fase de recursos; nada mais justo quando se trata de um Estado Democrático de Direito. Termos técnicos difíceis ganharam proporção nacional, "embargos de declaração", "embargos infringentes", e após votações apertadas, se decidiu pela reabertura do julgamento de 12 réus por determinados crimes que dividiram o plenário do STF, como a formação de quadrilha e a lavagem de dinheiro, uma vez que eles haviam recebido ao menos 4 votos favoráveis, ou seja, contra a condenação.

Polêmica, a decisão de reabrir o julgamento para alguns réus e por alguns de seus crimes pode trazer redução de penas e atrasar o término desse julgamento, levando alguns advogados a começarem a falar em prescrição de determinadas condenações, em outras palavras, a boa e velha impunidade.

Apesar disso, o STF como qualquer órgão de Justiça não pode se ater à opinião pública, deve manter a serenidade e o equilíbrio necessários para alcançar a Justiça plena e isenta, uma vez que Justiça de confete, sob os ventos do clamor popular não é Justiça, é espetáculo.

Ao mesmo tempo, não se pode admitir com um mínimo de seriedade, que um processo se arraste por anos e anos até que chegue a um desfecho final, isso é, se chegar! E essa é a realidade prática vivenciada diariamente em todos os Tribunais brasileiros. Aqui, deixamos de lado a política, a opinião pública, as paixões ideológicas ou a vontade de condenar ou absolver os mensaleiros, para tratarmos de algo mais sério que merece ser abordado: a questão da Justiça.

Se Justiça com base no clamor popular não é Justiça; Justiça lenta, morosa e burocrática também não o é. Para um cidadão comum, que não detém as benesses do Poder e do prestígio, ao assistir a postergação de um processo envolvendo políticos e empresários influentes, com julgamentos privilegiados, possibilidades de recursos e "recursos dos recursos" são traduzidos em uma única palavra, engodo.

É lógico que o procedimento estabelecido pelo Código de Processo Penal deve sempre ser respeitado, à luz da Constituição e do Estado democrático de Direito, mas é preciso pensar um pouco se os obstáculos procedimentais e a burocracia processual existem de fato para garantir o direito à ampla defesa, ou se servem em parte, maquiavelicamente para a postergação perpétua, a fim de dificultar e gerar entraves que atrasem ao máximo a conclusão dos casos e a imposição de resultados concretos.

Basta lembrar que na década de 90, o Congresso rejeitou proposta que extinguia a figura dos embargos infringentes no âmbito do STF; mais curioso ainda, é lembrar que são os próprios Deputados e Senadores os principais interessados nesses embargos, uma vez que só podem ser julgados no STF - é o que o Direito chama de foro privilegiado, que tem prós e contras (cuja discussão não pretendo reproduzir aqui).

Alguém leva vantagem com os entraves que dificultam e atrasam a decidibilidade. É preciso reavivarmos nossa capacidade de indignação e de inconformismo diante da morosidade que atola a Justiça e a afasta da sua real concepção. É preciso ter a consciência que "nada é impossível de mudar", como diria Bertold Brecht.

Quanto mais tempo demora para um litígio ser resolvido, mais gente acaba sendo afetada por aquela decisão, mais coisas ficam em suspensão, tendo como resultado direto, uma insegurança jurídica cada vez maior, e a credibilidade da Justiça, cada vez menor.

Num país sedento por Instituições sólidas, convém trazer ao debate a necessidade de Reforma não apenas da Política, mas também do Judiciário; é preciso viabilizar formas de se reduzir os entraves burocráticos que são verdadeiros obstáculos a serem superados no âmbito do processo judiciário. É preciso reduzir o tempo de tramitação dos processos, aumentar a eficácia da aplicabilidade das decisões em instâncias inferiores, fortalecer as novas formas de solução de conflitos a fim de que a Justiça possa ser cada vez mais acessível, conforme estabelece a Constituição ao consagrar o direito de amplo acesso à Justiça, e esteja cada vez mais próxima a quem realmente interessa, que é o cidadão comum, detentor de poucos recursos e que é sempre a parte mais fraca em todo e qualquer litígio.

Reformar os trâmites e a funcionalidade do Poder Judiciário, significa restaurar em parte, a credibilidade das Instituições brasileiras, que devem prestar o serviço público minimamente eficiente e qualificado à população. Esse desafio não é fácil, mas inevitável para uma Nação que, na iminência de comemorar os 25 anos da promulgação da Constituição Cidadã, não pode se esquecer das palavras do saudoso Ulysses Guimarães: "A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar". Precisamos continuar trilhando o caminho das mudanças, discutir e acolher uma Reforma do Judiciário, é mais um passo nesse sentido.

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